terça-feira, agosto 16, 2011

TROPICALEIDOSCÓPIO

terça-feira, janeiro 23, 2007

UM DIA NA VIDA CABREIRA DE JOÃO CARIOCA MACAXEIRA

UM DIA NA VIDA CABREIRA
DE JOÃO CARIOCA MACAXEIRA



(Dedicado a Aleksandr Soljenítsin e a Jonh Lennon)





Era nos idos de 1971. E o ônibus se dirigia célere para o balneário da ilha de Outeiro. Contava-me ele, que teve um caso com uma mulher casada, e nem pediu endereço e nada... O aperta-cunha do lotação de Icoaraci, bairro de Belém, um aperreio, tu te moras?, fez com que uma senhora de branco e vermelho, coroa nova ainda, acompanhada de dois filhos pequenos, ao lado da babá deles, se encostasse em nosso herói João, que, com os braços levantados, se apegava no corrimão do teto. E, é claro, ele nem se mexeu. E ela, que não tinha um rosto muito bonito, mas era boa, se encostava mais ainda. E , então, ele baixou um dos braços, e não me disse qual, pois pouco importava, é verdade, já com tantos detalhes! Pondo a mão do braço abaixado, próxima dos seios dela, de leve os pressionava, aproveitando os solavancos do carro que não tinha. E o outro braço continuava elevado; e algo mais se elevou, e ele então o ajeitou. Ele já sentia que ela queria. E ela arriou a cabecinha no seu ombro e quase chora. E eles continuavam silenciosos. E, na certa, consigo mesmo, ele cantarolou: “Carolina, hum hum hum, Carolina, hum hum hum, gente que nunca dançou, Carolina”...e pensou nos paus-de-arara nordestinos. E, ainda frisou que roçando as coxas, se instalou aconchegante na brecha entre as bundas. E acabou atracando-a com jeito, porque ele era maneiroso. E o ônibus se dirigia célere para o balneário de Outeiro.
Ele, meio irado, macucou a jogada, pegou todos os macetes, cara esperto era aquele, e achou tudo natural, porque afinal ele era um herói amazônida incompreendido, e era muito justo que isso acontecesse com ele. O ônibus, na margem da travessia chegando, depois de muito trepidar pelas ruas e estradas mal pavimentadas, por causa deles que nada fazem, nisto ele também pensou, porque cada ser humano tem um tipo diferente de pensamento... Mas, ele deixou isso para lá, porque agora ele estava na dele! Ia aproveitar o doce e cheiroso domingo de sol. E segunda-feira, iria chegar bronzeado no escritório, com o status aumentado, e ai do chefe se viesse com onda com ele! Ele diria: “Doutor, cada qual tem seu modo de pensar...assim como eu o compreendo, o senhor tem que me compreender...o ser humano tem que agir”... Blá-blá-blá pra cá e blá-blá-blá pra lá... E ele iria ficando com mais raiva, não aguentaria... Explodiria: “e fique sabendo de uma coisa: eu tenho um negócio aí, estou vendo se abro uma agência de loteria esportiva, estou com uma ligação lá com o sul, conheço um piloto que vai levar e trazer os talões, e eu mesmo vou fazer umas viagens até Manaus!” E, deslanchou: “porque o negócio é ser vivo, o cara tem que ser vivaldo, eu não sou otário, tô com o olho aberto pra todos esses caras! Eu não me meto na vida de ninguém, como é que vêm se meter na minha vida? Não! Eu sei me defender! Eu ainda apago um! Tu me entendes? Olha, caboclo, eu estou vivo... fico só urubusservando! Sou malandro, não nego, mas trabalho... cada qual tem de ter seu ofício; eu não podia ficar numa escola daquela... eu tenho olhos é pra ver, ninguém mete aqui na bundinha, não!” E pensou em apagar aquele seu amigo-da-onça que sempre tirava um barato com ele, dizendo que o caso dele, Carioca Macaxeira, era de manicômio judiciário...
E tinham que pegar o barco, para atravessar para o outro lado, onde havia praias, e aproveitar o sonoro e luminoso domingo de sol... E ela disse, quando o barco deslizava pelas ondas: “Esqueci meu maiô, Maria! Chegando lá na beira, eu te dou dinheiro e tu voltas para apanhá-lo; ele está na porta esquerda do guarda-roupa, perto duns vestidos... ainda está cedo, dá pra tu voltares com as crianças, e ainda tomar um banho”. Carioca entendeu o lance da patroa se desvencilhar da empregada. Maré cheia, só mais logo. E ele então se mancou, abriu mais os olhos, e foi aí que falou, em tom filosoficamente compassado, porque notou que ela, no íntimo, se dirigia era para ele (e para quem mais poderia ser?): “É, madame... ainda está cedo...” E havia outras pessoas no barco que pensaram que eles fossem bem conhecidos. E uma brisa ligeira soprou as velas ufanantes.
Entre grandes nuvens brancas, o sol acelerava seu vôo alvissareiro. Mas Maria nem voltou, e eles cinco já se dirigiam para a praia. E ele, na maior intimidade, já falava com ela, mas não me disse o que falou. Só depois, quando quis distanciar-se dos outros banhistas, pois conhecia tudo quanto era buraco, nos subúrbios e nos balneários, ele, galã atrevido, que não dá bobeira, a ela observou: “Eu sei dum lugar onde a senhora pode tomar banho, sem maiô” E notou pela expressão dela, que ela não gostou. Mas logo após, para surpresa dele, e minha, ela surgiu de biquíni vermelho, muito curto , daqueles de Ipanema. E ele , de novo falou :_“Se a madame permite , acho que esse biquíni está muito indecente!” Indecente! Palavra forte ... porque ele era durão (e talvez estivesse, ou com a conta certa, e a cuca não). Com ele não tinha essa de moleza não, aqui ó ! , e fazia toc-toc com o jogo das mãos. Cara esperto , vivo e malandro estava aí, em pessoa , personificando todas as proezas. E ele continuou: “Manda os garotos darem uma voltinha, e vamos mais pra lá !” Se ele tivesse um iate e fosse navegador, seu lema seria, é óbvio, plus ultra . Gostava de astronautas. Lia Erich von Däniken. Ulisses vagueador, de praia em praia durante dez anos; fingiu-se até de louco, para não ir à guerra de Tróia. Ó bela Araguaia! Ele admirava os hippies que falavam em paz , mas lhes era superior, pois não usava fitinha de índio na testa, essas frescuras, e nem mochila nas costas, por aí afora, porque cada ser humano tem um pensamento bem diferente ...
E ela, já completamente fascinada , obedeceu-lhe , e mandou que Maria se afastasse com os dois garotinhos , por causa do calor . E Maria ,também paquerada , se afastou . E eles se afastaram , e foram indo para locais ermos . Locais estes onde nem sequer um viajor haja pisado . Esta terra lhe era bem conhecida . Tristes trópicos ! E ele , então , largou-lhe um beijo na boca , de improviso , e ela se assustou levemente , porque ele era muito impulsivo . E continuaram se afastando , e ele viu que aqui esta bom . E mal deu tempo deles se acomodarem , e já investia sobre ela . E ela se abandonava . E se agarravam , e se beijavam . Beijavam-se e se agarravam . E ele queria que ela conhecesse a sua força , e ela queria ser moldada , e chupou-lhe todo , disse-me . Ó! E fez uma pausa , porque era mau . Puxou do bolso um estranho cigarro , vindo de Bragança ou do Maranhão, ela estranhou, e ele disse : “ Isso é cigarro americano minha filha veio lá da Zona Franca” . E começou a tragar e lhe ofereceu , e ela acabou aceitando , pois quem podia resisti-lo ? E recomendou para que ela não soltasse logo a fumaça . Se precisasse mais papel para fazer outro ela arrancaria uma folha da revista “Ele e Ela”, que trouxera, e ele outro faria. Mesmo assim , havia “ O Pasquim ”. E como ela , ainda desconfiada , não acatasse sua recomendação , quando puxou outra vez , ele , para impedir que a fumaça saísse , e deu ênfase para este detalhe , abocanhou sua boca . E disse : “ não solta! ”... “Aahhn?... ” E a fumaça saiu . E se agarravam , e se beijavam numa desagregação psíquica... o pescoço , os ombros , os seios ... E ela , de repente , despida já estava , talvez até tarde , num resquício de filme censurado . E dizia : “ ai , meu filho , você é louco ! ” E o vento assanhava os cabelos deles . E João Macaxeira se libertava de suas frustrações , nem que fosse pela imaginação . E eles rolavam pela areia quente . Era uma brasa , mora! Laço firme , braço forte. E nenhum tira apareceria naquela fantástica toca . Da areia quente, eles escorregavam para a areia molhada . Ninguém os presenciava . E , de repente , acenderam-se os holofotes ! E o diretor pedia mais luz , e eles se aproximavam da água resplandecente . Um bando de gaivotas cortou o azul celestial . E houve um close-up das bocas sugadoras . E uma gaivota mergulhou , e pegou um peixe , e outra imitou-a , e depois outra , mais devagar . E o povo bradava : viva Mao , viva Mao ! E outros : eu quero mocotó , mocotó é um barato ! E o troço já estava maçante . E as ondas se quebravam nos rochedos imersos parcialmente na água . Os sinos badalavam . E já era quase meio-dia . E a terra girava célere no espaço !
(Este conto obteve o troféu de 4° lugar , no XV Concurso Nacional de Contos de Paranavaí (PR) , em novembro /1983 )

sexta-feira, dezembro 15, 2006

AFOGADO EM TERRA, NA BEIRA DO CAIS


AFOGADO EM TERRA, NA BEIRA DO CAIS









Ruas estreitas. Casarões sombrios. Chuva fria. Lampiões acesos; luzes sem viço. Passos rápidos, nervosos, com paradas esquivas. Gestos apreensivos. Vez por outra, o cigarro mata-rato vai à boca, seu único amigo. A fumaça cancerígena e aconchegante é devolvida, e se espraia na atmosfera lúgubre. Três horas de caminhadas esmas; e quase duas carteiras tragadas. Persiste. Sujeito à toa, andando ao léu: gente à toa; cidade à toa; clima à toa. A mão no bolso aperta, com mais enfâse, um canivete afiado. Consciência de ser escória.
Ligeira hesitação, ao aproximar-se da esquina. Alerta, ao dobrá-la, bravo escoteiro! Acha que nada de importância poderá acontecer em sua vida mesquinha. Ânsia. Até desejaria que aparecesse um louco das trevas. Um monstro. Desses que se pode ver nas estórias, cujo ambiente é o nevoeiro londrino. Nestas brumas e nestas névoas. Frankenstein. Jack, o Estripador. Ou um mapinguari amazônico. Polvos, com enormes tentáculos, povoam a sua mente.
Transtorno. O poste mais perto distancia-se. A solidão aumenta. A luz diáfana diminui. Retorna ao que foi. Na língua, um sabor ácido de rum barato, depois de talagadas de tiquira. Idéias negras. Viscosidade. As pedras da rua vão sendo calçadas pelos seus pés, que querem grudar. Ser pedra. Uma parada para dar uma mijada. Blusa listrada, puída e molhada; calça úmida e suja, com cheiro de urina. Para onde ir? Onde veio parar? Em tempos que já vão longe, sua situação era melhor. Sua. Arapurus e tamuatás de Santarém. Não pensar. Impossível. Arapucas. Retornos à infância. Depois, Ana, a puta. Passarinhos chilreiam: tem-se que pegá-los, de mansinho. Pipilar. Assobia. Ser estátua. Passa da meia-noite. Tafofobia.
Teias de aranhas peludas gotejam do teto. Antenas trêmulas de baratas fedorentas captando restos de comida. Urubus ciscando nos monturos de lixo. Cães copulando na rua, em plena praça, ao lado da igreja. Um velho careca narigudo rindo, pondo à mostra cacos de dentes podres. As garras vêm do além! Harém. Amém! A bunda da velha matusalém gingava também. Tão bem! Só o suspiro do porco no charco se mantém. Pegar o trem, e vir à Belém!
Distúrbios afásicos. Já não mais falacioso, e com o falo impotente. Afemia. Monólogos desconexos. Inesperado desequilíbrio: o chão está liso. Lodo. Dinheiro. Bactérias vicejam. Mofo. Céu fechado. Vácuo. Ausência de perspectivas. Retrospectivas. Fuzuês de futurições. Olhar vago do pobre diabo, buscando o fim do infinito. Vagueia para o alto e para baixo, e para o lado, mais compassado. Corrosão. O estômago ronca de leve. Os ácidos gástricos corroem o parco alimento para a produção de dejetos. A fonte de vida dos saprófagos. Bosta fétida. Surreais vermes alados vampirizam as feridas de seu corpo.
Na orla marítima da vida, vai-se o sabor das ondas que refluem, Galpões (Mosqueiro e Soure) com as carcaças enferrujadas. Área interditada. Sempre, sempre isto. Alcança-a, para tirar um cochilo. A garrafa espatifada na sarjeta. Último gesto de revolta. Coaxar dos sapos. Aplausos. Os ferros é que iriam tragá-lo. Aviso não lido: “Atenção! Perigo!”. De madrugada, com o temporal, o desabamento. De manhã, uma lança na garganta. Tétano? Fraturas. Sangue coagulado. Em outras partes do corpo, equimoses. Almas piedosas acendem velas. Fim de uma existência, sempre em um caixão formal. Um dia de desventuras do tunante esquizóide urbano. No bolso, um bilhete, num saco plástico: “Depois de muitas aventuras, me joguei no mar. Assinado: D.H.”


(Este conto obteve o 1º. Lugar, no Concurso Nacional de Contos, da Revista “Literatura”, Revista do Escritor Brasileiro, de Brasília – DF, em junho de 1995)

ESBOÇO PARA “IMAGENS DE UMA TARDE DE VERÃO”

ESBOÇO PARA “IMAGENS DE UMA TARDE DE VERÃO”
(Uma ligeira reflexão sobre a criação artística, através de um neoconto, e pelo método descritivo)







1- Tarde de verão! A claridade é imensa: a luz transborda por todas as partes. Vou descrevê-la, sem procurar armar frases, com certo rigor estilístico, mas sim, do jeito mais livre possível.
Afinal, o que nós poderíamos dizer sobre uma tarde de verão. Que estou escrevendo sobre ela, talvez sem muita vontade, ou melhor, a fim de que me torne mais claro, devido à obrigação que tenho para com o possível leitor, que estou com uma vontade maior de vivê-la, do que de contá-la? (E, de início, realmente, é isso o que faço: afirmo que estou escrevendo sobre uma tarde de verão). Mas, como vivê-la ? Saindo, e dando uma volta? Indo até ao canto? Pegando um ônibus, já que não possuo carro, e circulando pela cidade? Isto, em outras vezes, eu já fiz. Adiantaria fazer de novo? O quê? Ir até o canto? Mas, para quê? Daqui, da janela de cima, tem-se uma visão mais ampla. Talvez se eu fosse até ao telhado... E não seria a primeira vez! Aqui, nesta gaveta, tenho umas fotografias que tirei lá de cima: estão boas; foram batidas numa tarde ensolarada...
Há o que se viver numa tarde de verão? O que é uma tarde de verão? É somente um estado de espírito? Recordações de outras tardes, de outros verões, mescladas com alegria, ou o que é mais provável, com a nauséa existencial, que o aumento da temperatura provoca? Existe uma tarde de verão? Ou, apenas o planeta, cujos seres pensantes que nele vivem denominaram Terra, locomove-se mais inclinado, com seu eixo imaginário, fruto de racionalizações, em relação ao plano de sua órbita, ou, em outros termos, no Brasil , por exemplo, é verão porque com a inclinação do eixo hipotético do nosso planeta, o Pólo Sul está mais voltado para o Sol do que o Pólo Norte? (O que vem a dar na mesma, mas, passei a falar em pólos, na segunda construção, e surgiu , inesperadamente , em meu cérebro , uma pergunta , quase incessante , que passou a dominar-me , por alguns momentos : - Irei até ao Pólo Sul ? Chegarei a ver pingüins em seu habitat? – Irei ao Pólo Sul ? Verei pingüins?...) Paro um instante de bater à máquina , a fim de dissipar esta pergunta intrusa e inoportuna , que friamente veio empatar a minha descrição de uma tarde calorenta . Bem , continuemos . Logo , o hemisfério sul , onde fica situado o país em que nascemos , recebe , portanto , nesta época do ano , mais sol do que o hemisfério norte . Agora , passei a lembrar-me de laranjas e de velas , (e de velhas ) , que entram nos exemplos das professoras primárias , sobre a translação da Terra ao redor do Sol . Mas , chega ! Quem quiser conhecer melhor o novo assunto surgido , embora relacionado , que consulte os livros de Geografia , ou de Astronomia , que se confundem nos de Geografia Astronômica , ou seja , nos livros cosmográficos ... Lá estou eu caindo em outro desvio : pastores ; agricultores ; caldeus e egípcios ; chineses e hindus ; astrologia ; Babilônia ; Tales de Mileto ; Hiparco ; Ptolomeu ; Nicolau Cópernico ; Brahe ; Bruno ; Kepler ; Galileu Galilei ; Isaac Newton ; Halley ; Herschel , etc , etc.
Deixei-me cair num espelho , no labirinto das associações , mentais , tal como Alice de Lewis Carrol,quando entra no país das maravilhas . (“- Meu deus , meu Deus ,como é tarde !” , disse um coelho a si próprio) . Ou o poço era muito fundo, ou Alice caiu muito lentamente , porque na sua descida ela teve tempo de olhar em redor e ver olhar em redor e ver o que ia se passando . A princípio, eu também olhava para baixo, e distinguia pouca coisa. Depois, olhei em torno de mim e vi que, de ambos os lados , havia muitos armários e estantes de livros, que tinham de ser conquistados. Mas não devo fugir do assunto a que livremente me propus: tenho que falar de uma tarde em que o sol domina o céu e seus raios, gerados pela luta dialética de seus átomos, rompendo as nuvens, iluminam a erótica cidade.
O que escrever ? Bem, vou falar do que vejo. Mas posso falar do que vejo, logo mais, à noitinha, ou amanhã, com chuvisco, se continuar sentado aqui. Porém, sentirei, hoje, e retransmitirei o que vejo ao redor da estante, ou o que aprecio quando vou até à janela da frente, da mesma forma que amanhã? (Sou um mediador não mecanicista). Paro um pouco para refletir.
Retiro os óculos de aros finos dourados e lentes verdes-claras, de cima do termômetro, onde ele fica situado, em frente a um lote de nove livros que versam sobre psicanálise, sociologia e relatividade, e consulto a temperatura. Trinta e um graus centígrados, ou seja, aproximadamente 88º Fahrenheit. Fahrenheit preocupou-se, em 1714, em construir um termômetro de mercúrio, com uma nova tabela de medição do calor. ‘‘ Fahrenheit 451 ’’ é um bom filme de François Truffaut que assisti ano passado. Truffaut, através de ficção cientifica, satiriza o terror cultural existente em muitos países. Expiro forte: a fumaça que sai de meus pulmões, rápida se dispersa no espaço. Levemente um braço corta o ar, em seu avanço: bato cinzas para uma nova tragada. Estou em meu quarto. O relógio marca dezessete horas e cinco minutos. Em cima de minha cama, forrada com uma colcha rósea, estão dois livros. Um de Garaudy, sobre a China, e outro de A. Sánchez Vasquez, a respeito da estética marxista. Ao meu lado, uma caneta Parker – 51, que comprei há pouco tempo. Agora, coço a beirada de um olho, e chego a arrancar uma pestana. Estou um pouco suado. A camisa quadriculada, amarela e preta, em estilo escocês, está úmida. A bermuda que visto é azul e rota, tendo na bainha direita, sua costura despregando-se. As unhas dos pés estão ficando grandes. Não; não! É preciso descrever melhor esta tarde.
2- Dos meus poros, em leves golfadas, escorre o suor, que desliza pelo corpo. Da janela, o espetáculo que a tarde ensolarada nos apresenta, não pode ser qualificado num simples termo. Desejaria estar numa praia; correndo sobre a areia, com os cabelos esvoaçados pela brisa; vendo distante a cidadezinha de Salinas, á beira-mar ; e ouvindo os ruídos angustiantes do mar , este rebelde Prometeu aquoso , sem destino e louco , que há séculos contorce-se , vomitando vida , e partindo-se em espumas, contra as rochas e o infinito.
Abro a porta do quarto que dá para o pátio .Vou até à sacada . O brilho intenso dos últimos raios de sol ferem meus olhos , gerando manchas multicolores , como conseqüência desta inter-relação, e que saem não sei de que regiões niilizantes , difusas e vagas , mas que ficam bruxuleando no ar, estéreis e sem nexo, obscurecendo a visão do novo edifício, quase pronto, que foi erguido na zona comercial, pelo trabalho e suor de alguns homens, em outras tardes de sol. Ele surge na minha mente, depois de formado, ponto por ponto, pelos meus órgãos especializados, aproximadamente no mesmo ângulo das velhas telhas da sinagoga do bairro da Campina. Mais abaixo, numa combinação de vidraças brancas e azuis, o símbolo de Israel destaca-se do cimento alvo, onde situa-se, isto é, da parede dos fundos. É por esta redonda brecha vítrea que a luz jorra no templo... Cinqüenta séculos de civilização. Povos do Oriente; gregos, troianos e romanos; bárbaros, bizantinos e árabes; povos da América pré-colombiana... Isto sem falar que, há muito mais tempo, já pintávamos nas grutas pré-históricas: em Lascaux , em Altamira e em outras regiões.
O mamoeiro no quintal do vizinho, as palmeiras, que aparecem pelo esforço de minha imaginação, que quer destacá-las dos outros objetos, juntamente com as ervas daninhas que florescem nas beiradas de todos os telhados, num flagrante desprezo às construções dos homens, estão aparentemente estáticas, devido à calma repentina do vento, e também pela falha da distância que os contempla. Paredes carcomidas pela indiferença do tempo, de antigos casarões com suas estórias já esquecidas. Muros toldados de lodo, feito pelas chuvas de inverno: transformações químicas, onde vidas primitivas, sem justificação, começam a vicejar. Nas árvores, aranhas tecem teias, ou procuram eliminar os machos que as fecundaram. Abelhas recolhem-se às colmeias, e os morcegos já se assanham nos forros abafados.
O sol, descendo mais um pouco, foi parcialmente obscurecido por uma grande nuvem cinza. Dos vasos de plantas, que agem contra o ladrilho vermelho, as folhas das samambaias e dos tajás lançam em correntes no ar, os seus perfumes característicos. Minhas narinas os aspiram e meu cérebro os distinguem. O céu é cortado por um bando de andorinhas, que ora bamboleiam, ora agem como autênticos planadores, emitindo os seus gorjeios, que me perturbam os tímpanos, e extasiam-me. Os sinos da igreja próxima salpicam acordes. Na praça, moças desfilam para os rapazes que fazem ponto nas esquinas. Elas mostram sua juventude. Crianças brincam, correndo e rolando na grama, ou passeiam em seus carrinhos. Elas estão aprendendo a serem adultas, a dirigirem . Num poste, um cachorro urina . Os carros deslizam , rápidos , no asfalto . Os ônibus deslocam alguns operários para os subúrbios . Aí vão os construtores dos edifícios . Eles retornam aos seus casebres , após um dia de luta ... Pretendem vencer na vida ?!
Da janela da frente , diviso os arcabouços dos novos prédios que estão sendo construídos , nas avenidas centrais , por ordem dos homens que têm dinheiro , emparelhando-se com os já prontos . Eles podem ser arrasados pelas bombas . Que interesse tem de se dizer que este, mais largo , é recoberto de pastilhas verdes ? Duas vizinhas conversam . Uma rajada de vento bate-me no rosto e levanta meus cabelos , entre os quais é feito um pequeno caminho , como acontece nos arrozais ... Rajadas de vento ! Ah ! , os outros povos ... Aquele edifício é o mais alto da cidade . Uma poderosa antena de televisão foi erguida em cima dele . Ela traz-me notícias de terras e de fatos distantes , como o Vietnã.
A cidade , tal como uma concha , está sendo fecundada pelo sol . São quase seis horas . Ela treme : o momento do gozo se aproxima . Logo mais virá a brandura do crepúsculo . E , depois , a noite vai descer com prenúncios de sono . Mas, agora , seus edifícios , encharcados pela luz , apontam para o alto , em vergastadas no tempo cósmico . E eu percebo os gemidos efêmeros da dilatação de suas estruturas: é a contradição no âmago da natureza, numa harmonia em que se confundem os seus sons com os da civilização.


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Os lampiões acendem-se e as lâmpadas rubras nos mastros dos arranha-céus. As primeiras estrelas, as mais brilhantes, já surgem no crepúsculo. A lua, no alto e distante (dentro de algumas semanas nela pousaremos), desponta. Inspirados em seus reflexos românticos e prateados, quantas coisas já escrevemos... quantos devaneios ! A atração mística e misteriosa do luar, que transtorna os homens nas noites dos campos, consola-nos e angustia-nos, ao mesmo tempo. Anoitece. Surge, mansa, a nossa noite. Corpos preparam-se para o amor, nessa escuridão que nos transforma de modo inconsciente...

QUATRO DIAS

QUATRO DIAS

À Adriana








1º DIA
- Meu bem... nós vamos nos casar!

NUS, 2º DIA
- E se faltar comida?
- Aí, nós leremos o dia todo...

3º DIA
- Não têm comida, poxa!
- Então, vamos ler de novo, Elna...

E NO 4º, DIAS?
- Não te preocupa, benzinho; no quarto, sempre há surpresa...

DUAS IRMÃS: UMA ESTORIAZINHA DE DESAMOR

DUAS IRMÃS: UMA ESTORIAZINHA DE DESAMOR







Eu tenho uma amiguinha, e certo dia lhe disse:
- Não posso mais manter vínculos amistosos com tua irmã...
- Por quê? O que se passa?
- Todas as semanas, ela arrebenta nosso relacionamento. E, pior: ela mesma se arrebenta, sempre...
- Deixa... deixa que se arrebente, assim, ela aprende e amadurece, com as porradas da vida...
- Mas, minha amiga, ela se arrebenta todos os meses, e os anos passam...Quando ela se conserta? Ou quando a gente apara nossas arestas?
- E eu sei? E eu é que sei?
- Como não? Os anos passam, a vida se esvai, e aí ela morre...
- Que é que tem? O que é que tem? Todos nós, por acaso, não vamos morrer? Eu mesma sou muito sentimental,mas...
- Você não tem nada de sentimental, Inezinha! Você é cerebral, calculista, maquiavélica! E perde muitas energias, em suas tramas!
E houve um longo silêncio.

NOVELA BOSSANOVE

NOVELA BOSSANOVE






(Narrada por um ângulo mais que restrito)

1º capítulo
Ela, inicialmente, inclusive para se eximir um pouco de culpa, deve ter culpado muito ao preceptor, que não era o primeiro, e sim, se considerarmos a nobreza decadente. Em parte, uma transferência para consolar ao outro. E, em parte, este deixou-se acreditar para autoconfortar-se. Isto, na fase inicial de reencontro. Ambos fizeram concessões, para melhor compreender a atitude do outro. (E, sejamos claros: para sobreviverem!.). Especialmente, ele para ela. Depois, de leve, acho que ele soube manobrá-la muito bem; fazendo ao seu jeito, com que ela contasse detalhes da aventura. (Como assim ele deve julgar; e foi.). E ela, com usa voz singela, com seu jeitinho cativante de enjeitada (e de arrependida, no caso), foi –lhe narrando o sucedido, no mês de junho.

2º capítulo (De alto teor moral)
Como é que nós vamos agir, daqui pra frente, com eles? E o que é que nós esperamos que eles façam, diante de nossos atos? Qual a reação que a sociedade passará a ter , a partir de agora, ou de sempre, pois isso não é um problema absolutamente novo, em cada gesto cometido por nós?

3º capítulo
Foi aduzido um dado novo ao conceito moral de cada um.

4º capítulo
Esta forma estranha, intelectualizada, racionalizada, pragmática, atenta e quase filosófica de ódio, não tem também expressão prática, e nem terá, além da fronteira do rompimento com ela. Ou seja: nada, por qualquer que seja o sentimento que o possua, nada mais grave fará ele, em quaisquer circunstâncias, do que romper com ela. Este é o limite aonde ele vai!



5º capítulo
É dela que se deve esperar um imprevisto, além do rompimento, e não dele. Sob este aspecto, ela é muito mais criativa, se bem que as criações dela fossem prejudiciais. Ela é muito mais inventiva, e muito mais desprovida desse mecanismo de contenção e censura que ele possui. Ou seja, ela está muito mais apta, (o termo é este, porque isso é uma aptidão), do que ele, a fazer o que lhe for mais proveitoso, sem guardar qualquer outro sentimento de remorso, ou algo parecido, do que eles.

6º capítulo
Ele lhe deu o mote. Antes, o outro deu-lhe outro. Ela, recuada, aos poucos, foi aceitando-os. O espírito de aventura se esvai, e o senso de segurança adquire peso. E ela tem necessidade de proteção!

7º capítulo
Nada firme. Tudo experimentalmente difuso, como um teste. E em que se pergunta: terá sido?

8º Capítulo
(Flash-back: reprise de um emocionante capítulo, atendendo milhares de pedidos)
Estavam na sala, sentados no sofá. Estavam tão pertos, mas ainda assim se achavam distantes um do outro. As palavras começaram a sair indolentes, com dificuldade, desnecessárias... E, quando sentiram com mais ardor a quentura de suas faces, tiveram que resolver ir ao encontro do mar.

9º Capítulo
A vida deles ficou realmente transtornada pelo incidente, numa curva do espaço-tempo.


Nota complementar:
As censuras cortaram o décimo e subseqüentes capítulos.

terça-feira, dezembro 12, 2006

KÁTIA FOI PASSEAR NO BOSQUE

KÁTIA FOI PASSEAR NO BOSQUE

(Esta é a autonarrativa do desvirginamento de Kátia, ao som de uma valsa de quinze anos, feita livremente por ela, que deixa de ser uma pirralha levada e se torna mulher nos braços de um jovem estudante, que morava em sua rua e que ocupou seu bosque encantado)




Tá, pequeno chato, eu vou te contar ... eu ainda estava estudando minha quinta série, porque me atrasei, devido às viagens da família pra Macapá, os empregos e as transferências do meu pai, essas coisas todas... eu já ia fazer quinze anos... e fui lá para o grupo escolar, onde realmente menstruei, certa vez, sentada na carteira, naquele dia, como já te falei, Antônio ... as coleguinhas me caçoaram, sim, e mais que a professora, foi a Olga que me ajudou, mas nós não éramos saboeiras... bom, aí eu fui para o grupo, eu e meu vizinho Richard, louro, alto ... eu estava flertando com ele, tinha enjoado das bonecas, mas não vivia suspirando, nem sonhando acordada, as condições financeiras da família não me induziam a estes enlevos ... ele já tinha passado , recentemente , no vestibular , e aí um dia , ele pegou me convidou para dar um passeio lá no Bosque , pra eu faltar à aula , que depois ele me ensinava ... e as aulas eram chatas mesmo , e já estava se aproximando o fim do semestre , aí , eu peguei , gazetei ... lá no Bosque , começamos a andar por lá, e , tal e tal , e aí, paramos lá no meio ... não tinha quase ninguém , era um fim de tarde de verão , e somente uns vigias limpando e varrendo ... aí , de novo , começamos a andar por lá , ele me olhava esquisito , culpa minha , sabia , e aí, então, nós paramos, e começamos a nos abraçar e a nos beijar , essa confusão de sentimentos toda ... ele falando baixinho, fungando , de leve no meu pescoço , eu ,às vezes , fingindo que achava chato, mas no fundo, cada vez mais gostando ... e ele me beijando , e começou a pegar nos meus seios , o que eumais gostava , a me afagar , e meteu a mão por dentro da minha calça verde , e foi me apalpando toda , e fui perdendo mesmo todo o controle , ficando meladinha ... aí,, ele foi levantando a minha saia , essas coisas todas ... só sei que foi rápido ... senti uma dorzinha, sei lá ... aí, eu comecei a me empurrar , a querer me afastar , me livrar um pouco dele , mas acabava deixando ... eu acho que ele chegou a gozar ... eu nem olhei direito pro negócio dele , ainda tinha medo ... aí , quando o homem ... aí eu disse que queria ir embora , que eu estava toda suja , e que eu queria ir embora , quando surgiu o homem do bosque ... mas , antes , ele me explicou que era natural que isso acontece , que ele não tinha me ofendido em nada ... aí, tá certo , eu não fiquei gostando : ele dizendo que não , e aí , eu dizendo que sim , e ele que não me estava ofendendo em nada , começou de novo a querer me convencer ... aí surgiu um homem berrando , para acabarmos com aquela sem-vergonhice , armando um escândalo , e depois querendo dinheiro, e eles discutindo ,e eu aproveitei uma oportunidade, e me mandei sozinha ... e, já na rua , é que fui ver que estava com a calcinha e a saia toda suja ... aí, tá ... aí, passou um bom tempo sem a gente se ver, e ele teve que fazer o tal negócio de Projeto Rondon , nas férias de julho , e nós não nos encontramos ... mas , pouco antes , tinha sido meu aniversário , e a gente ainda estava assim , assaz , assados ... talvez , quem sabe ? ... por isso , que ele começou com uma tal de Gilda , que morava perto de casa , e aí é que eu fui ver que ele não estava ligando muito pra mim , e eu não quis mais saber dele ...
No dia do meu aniversário , encontrei-me com ele numa festa , perto de casa , aí ele veio com um papo de me dizer que não tinha me enganado em nada , que tudo aquilo era bobagem minha, essas coisas todas ... voltei pra casa com o pessoal , a mamãe não abriu a porta , papai tinha saído , depois de beber ... aí, eu peguei , voltei com a mana Lucinha e um irmão menor , e aí ele já estava atracado com essa tal de Gilda , e por isso que eu fiquei muito puta ... quando ele voltou das férias de julho , do Projeto Rondon , foi falar comigo , me trouxe , de presente, uma caixa de bombons ... peguei , não quis ... disse que não aceitava ... ele disse que podíamos sair , conversar, peguei disse não ... aí , tá , ele continuou com a Gildinha dele , e, depois , eu soube que ele tinha se mudado de lá... quem me disse foi o Renato , colega dele ... mas , também não sabia para onde ele tinha ido , e pronto , eu o esqueci um tempo ... esqueci não , eu continuei pensando nele , mas passou um bom tempo , um bom tempo mesmo ... e eu, que já tinha feito minha primeira comunhão , comecei a fazer minha primeira série no ginásio ... e às vezes , eu o via de longe , mas , nunca senti vontade de chamá-lo e ir com ele conversar ... uma vez , eu o vi lá no Comércio , perto do Mercado do Ver-o-Peso , mas não cheguei a falar com ele ... aí, passou um outro tempo , Antônio ... e, como nós , mulheres , também temos desejos !... e , eu encontrei-me com ele ... eu saí com o Betinho, na primeira vez que este meu irmão quebrou o braço , e eu o levava pra fazer massagens ... o ônibus deu prego , na Padre Eutíquio , e nós saltamos , pegamos outro , e ele estava neste , e eu fiquei olhando pra ele , até que nos falamos ... perguntou se eu estava estudando ... estava ... onde? ... no Instituto de Pedagogia ... estava já fazendo o segundo ano ... aí, ele perguntou que horas eu entrava ... peguei , disse ... quando foi no outro dia eu ia entrando no colégio , e ele estava lá no canto , chamou-me , perguntou se eu ia assistir aula , e eu disse que sim ... e ele propôs se eu não queria falar com ele ... fiquei assim pensando ... e , depois disse : vamos , aí nós fomos , e ele me convidou pra irmos no apartamento dele , que agora ele não estava mais morando numa república , e sim na Praça Brasil ... aí ficamos conversando e tal ... e ele me levou para o quarto dele , depois de ouvirmos música e tomarmos duas doses , e eu não quis aceitar de novo ... já estava sem blusa exibindo meus seios , que muitos acharam lindos, e ele mandou que eu tirasse a saia , eu disse não , e ainda não consegui fazer desta vez ... aí, no outro dia , ninguém se encontrou ... que decepção , não achas cínico ? ... quando terminou a aula , eu voltei pra casa ... quando foi no fim de semana , ele , de novo ,e sempre, com a minha tabelinha de menstruação , cujos cálculos de fertilidades , o Richard, no começo, fazia só com ele... numa sexta-feira, noite de lua cheia, ele apareceu... aí, tá, eu fui e, desta vez, se completou... eu usava calcinha verde, lembro-me, e já estava pra fazer dezesseis anos... resumindo: nós trepamos muitas vezes, e eu comecei a perder aulas, parei um tempo de estudar, arrumei meu primeiro emprego... eu não queria dólares, o que eu queria era amar... aí, uma vez ele foi em casa, se apresentou, deu boa-noite pra mamãe, ela não respondeu, e ele aproveitou o pretexto pra não mais aparecer... onde estão os incas? ... eh, lá vens tu de novo... e os maias?... aí, isto foste tu que me ensinaste... e os astecas?... ah, ah, ah, a Amazônia está morrendo... e os encontros com ele foram se rareando... tá bom, Anthony?... ei, pequeno chato, pára! California dreams... Califórnia dreams...

REENCONTRO NO LENNON BAR


REENCONTRO NO LENNON BAR

À Lurdinha



A multidão festiva lotava grande parte da Avenida 1º de Dezembro, no bairro do Marco. Era o fim de tarde do dia 16 de fevereiro de 1984, ante vésperas do Carnaval. Nas proximidades do ginásio da Escola Superior de Educação Física, localizava-se o imenso palanque para o comício , lotado de políticos. Os oradores se revezavam entre bandeiras mil e os enfeites verde-amarelos. Diretas, já! Diretas, já! Diretas, já! Era o coro retumbante que pipocava por toda a nação. Jovens (de todas as idades) tomavam chopes no Lennon Bar. Desvencilhando-se da multidão, e por entre as mesas da calçada, Antônio entrava naquela festa.
Chegando-se, com certa ironia:
- Ôooooi!
- Ôi... (sentada, ela sorri surpresa)
- Você está só? (no mesmo ritmo)
- Estou. (com sua singelice matreira)
- Só mesma?
- Sim...
Senta-se, e diz, com certa lentidão aproximativa:
- E o que você faz aqui sozinha, meu anjo?
Olham-se. Sorriem-se. Continuam a se olhar. Ele retransmite a ela resquícios de mágoas. E ela também.
- Garçon! Traga uma , bem gelada... e dois novos copos!
- Eu preferiria um gin-fizz...
Acende um cigarro. Dá uma longa tragada, e depois espira. O restante da fumaça esvai-se, no rosto dela, por causa do vento que passou.
- Depois, você pede... e a gente toma.
Ouve-se um som do jazz “I Believe to My Soul”(Quero acreditar em minha alma), do Ray Charles.
- Mas, o que tens feito?- Ela indaga sorridente.
- Tudo ou nada...
- Quais as novidades, menino?
- As mesmas de sempre.
Ela ri. E ele sorri. O garçom serve-os, e pergunta se querem alguma coisa para tira-gosto.
- Estou com fome... quero jantar- Kátia diz com delicadeza.
- Bifes de fígado bem acebolados, como na última vez?
- Temos...- diz o garçon.
- Taí, então traga... e uma dose de corações também.
Ela sorri.
- Gostas do Ray Charles?
- E prefiro “Georgia on My Mind.”
- Belém está linda!
- Você também.
- Poxa, aquele teu telefonema!
- Você desligou o fone naquele dia... Quatro meses!
- Estavas uma fera, bicho!
Sorvem mais goles de cerveja.
- Como é, vais votar pra presidente?
- A primeira vez na vida... e como vai o cinema?
- Estou meio parado, mas, ando escrevendo...
- Vamos?



Saem, e entram em outro bar. Diretas, já! Diretas, já! Diretas, já! Uma alegria contagiante no ambiente.
- O que não deu certo, menino? Sei lá, também fiquei confusa.
- E não é? A gente não soube se amar...


(Menção honrosa no I Concurso Literário da FUNTELPA, 1986)

UM ROMPIMENTO

UM ROMPIMENTO

(Este conto também tem dois outros títulos: “Não Faça de seu Sexo uma Arma: A Vítima Pode Ser Você!” ou “As Treinadinhas do Coronel”)



- Alô, Kátia... tudo bem ?
- Mais ou menos.
- Por que você não me ligou, e nem apareceu ?
- Porque eu não quis.
- Mas, por quê ? Não estava tudo certo ? Esta já é a segunda vez que eu tenho de jogar almoço fora
- È que eu enjoei estes almoços na tua casa, Antônio... pronto, só isso!
- Poxa, mas agora não foi você mesmo quem marcou ?
- Tu já estás bêbado ?
- Sabes que eu nunca fico bêbado, queridinha... e, além dos almoços, me falhastes duas outras vezes, este ano.
- E daí ?
- E daí, tem coisas... na última vez, teu comportamento já foi bem estranho.
- Lá vens tu com tua paranóia...
- Você sabe que eu sou professor de psicologia, psicanálise, psiquiatria e sexologia...
- Ah, ah, ah, ah ...
- Você sabe! Por que tu me perguntaste se eu tenho armas em minha casa ?
- Eu não disse isso, Antônio...
- Disseste, maluca!
- Quando ?
- Naquele dia... em que foste tomar banho, e saíste correndo do banheiro, pela metade, para pegar uma bolsinha, onde poderias ter trazido um gravador... naquele dia, em que fizeste tantas perguntas, e defendeste aquele crápula... e em que quiseste ver meus livros mais secretos; e, quando propuseste que eu sublocasse um quarto, para uma tua misteriosa amiga, que eu nunca vi, e que teria de ficar com todas as chaves...
- Estás doido!
- Estás treinadíssima!
- Treinadíssima em quê ?
- Alguém te orienta!
- Ah, ah, ah, ah...
- Tu és uma oportunista !
- Antônio, estás me chamando de oportunista !
- Estou, porrinha pirada... queres que eu repita? Oportunista e utilitarista! Você gosta de usar as pessoas!
- Antônio, eu vou desligar...
- Espera... eu vou te dizer mais duas coisas: tu tiras uma de esquerda, mas só se fores da pior linha... tu e o teu professor, com aquela velha tática de desestruturação psíquica ...
- Eu vou desligar, Antônio !
- Tu és uma dessas que tiram a calcinha pela causa, és ?
- Ahn ?...
- Ou o que é pior: és do outro lado, mais sujo ainda, sua revolucionária de merda !
- Eu te odeio, Antônio !
- Eu vou te dizer uma coisa que, talvez, não saibas... ouve bem o que eu vou te dizer: ano passado, um coronel da segurança lá da Universidade, um coronel, sua porrinha, superior ao teu pai...
- Antônio...
- Gabou-se, Kátia... para um grupo de amigos, e alguns meus, e que me contaram, que ele tem mulheres preparadíssimas, para irem para a cama de quem eles quiserem, e para pegarem as informações que eles quiserem.
- Cachorro !
- E eu vou saber o nome de todinhas !
Kátia soluça e desliga, bruscamente, o telefone.

terça-feira, agosto 01, 2006


UM DIA NA VIDA CABREIRA DE JOÃO CARIOCA MACAXEIRA


UM DIA NA VIDA CABREIRA
DE JOÃO CARIOCA MACAXEIRA
(Dedicado a Aleksandr Soljenítsin e a Jonh Lennon)























Era nos idos de 1971. E o ônibus se dirigia célere para o balneário da ilha de Outeiro. Contava-me ele, que teve um caso com uma mulher casada, e nem pediu endereço e nada... O aperta-cunha do lotação de Icoaraci, bairro de Belém, um aperreio, tu te moras?, fez com que uma senhora de branco e vermelho, coroa nova ainda, acompanhada de dois filhos pequenos, ao lado da babá deles, se encostasse em nosso herói João, que, com os braços levantados, se apegava no corrimão do teto. E, é claro, ele nem se mexeu. E ela, que não tinha um rosto muito bonito, mas era boa, se encostava mais ainda. E , então, ele baixou um dos braços, e não me disse qual, pois pouco importava, é verdade, já com tantos detalhes! Pondo a mão do braço abaixado, próxima dos seios dela, de leve os pressionava, aproveitando os solavancos do carro que não tinha. E o outro braço continuava elevado; e algo mais se elevou, e ele então o ajeitou. Ele já sentia que ela queria. E ela arriou a cabecinha no seu ombro e quase chora. E eles continuavam silenciosos. E, na certa, consigo mesmo, ele cantarolou: “Carolina, hum hum hum, Carolina, hum hum hum, gente que nunca dançou, Carolina”...e pensou nos paus-de-arara nordestinos. E, ainda frisou que roçando as coxas, se instalou aconchegante na brecha entre as bundas. E acabou atracando-a com jeito, porque ele era maneiroso. E o ônibus se dirigia célere para o balneário de Outeiro.
Ele, meio irado, macucou a jogada, pegou todos os macetes, cara esperto era aquele, e achou tudo natural, porque afinal ele era um herói amazônida incompreendido, e era muito justo que isso acontecesse com ele. O ônibus, na margem da travessia chegando, depois de muito trepidar pelas ruas e estradas mal pavimentadas, por causa deles que nada fazem, nisto ele também pensou, porque cada ser humano tem um tipo diferente de pensamento... Mas, ele deixou isso para lá, porque agora ele estava na dele! Ia aproveitar o doce e cheiroso domingo de sol. E segunda-feira, iria chegar bronzeado no escritório, com o status aumentado, e ai do chefe se viesse com onda com ele! Ele diria: “Doutor, cada qual tem seu modo de pensar...assim como eu o compreendo, o senhor tem que me compreender...o ser humano tem que agir”... Blá-blá-blá pra cá e blá-blá-blá pra lá... E ele iria ficando com mais raiva, não aguentaria... Explodiria: “e fique sabendo de uma coisa: eu tenho um negócio aí, estou vendo se abro uma agência de loteria esportiva, estou com uma ligação lá com o sul, conheço um piloto que vai levar e trazer os talões, e eu mesmo vou fazer umas viagens até Manaus!” E, deslanchou: “porque o negócio é ser vivo, o cara tem que ser vivaldo, eu não sou otário, tô com o olho aberto pra todos esses caras! Eu não me meto na vida de ninguém, como é que vêm se meter na minha vida? Não! Eu sei me defender! Eu ainda apago um! Tu me entendes? Olha, caboclo, eu estou vivo... fico só urubusservando! Sou malandro, não nego, mas trabalho... cada qual tem de ter seu ofício; eu não podia ficar numa escola daquela... eu tenho olhos é pra ver, ninguém mete aqui na bundinha, não!” E pensou em apagar aquele seu amigo-da-onça que sempre tirava um barato com ele, dizendo que o caso dele, Carioca Macaxeira, era de manicômio judiciário...
E tinham que pegar o barco, para atravessar para o outro lado, onde havia praias, e aproveitar o sonoro e luminoso domingo de sol... E ela disse, quando o barco deslizava pelas ondas: “Esqueci meu maiô, Maria! Chegando lá na beira, eu te dou dinheiro e tu voltas para apanhá-lo; ele está na porta esquerda do guarda-roupa, perto duns vestidos... ainda está cedo, dá pra tu voltares com as crianças, e ainda tomar um banho”. Carioca entendeu o lance da patroa se desvencilhar da empregada. Maré cheia, só mais logo. E ele então se mancou, abriu mais os olhos, e foi aí que falou, em tom filosoficamente compassado, porque notou que ela, no íntimo, se dirigia era para ele (e para quem mais poderia ser?): “É, madame... ainda está cedo...” E havia outras pessoas no barco que pensaram que eles fossem bem conhecidos. E uma brisa ligeira soprou as velas ufanantes.
Entre grandes nuvens brancas, o sol acelerava seu vôo alvissareiro. Mas Maria nem voltou, e eles cinco já se dirigiam para a praia. E ele, na maior intimidade, já falava com ela, mas não me disse o que falou. Só depois, quando quis distanciar-se dos outros banhistas, pois conhecia tudo quanto era buraco, nos subúrbios e nos balneários, ele, galã atrevido, que não dá bobeira, a ela observou: “Eu sei dum lugar onde a senhora pode tomar banho, sem maiô” E notou pela expressão dela, que ela não gostou. Mas logo após, para surpresa dele, e minha, ela surgiu de biquíni vermelho, muito curto , daqueles de Ipanema. E ele , de novo falou :_“Se a madame permite , acho que esse biquíni está muito indecente!” Indecente! Palavra forte ... porque ele era durão (e talvez estivesse, ou com a conta certa, e a cuca não). Com ele não tinha essa de moleza não, aqui ó ! , e fazia toc-toc com o jogo das mãos. Cara esperto , vivo e malandro estava aí, em pessoa , personificando todas as proezas. E ele continuou: “Manda os garotos darem uma voltinha, e vamos mais pra lá !” Se ele tivesse um iate e fosse navegador, seu lema seria, é óbvio, plus ultra . Gostava de astronautas. Lia Erich von Däniken. Ulisses vagueador, de praia em praia durante dez anos; fingiu-se até de louco, para não ir à guerra de Tróia. Ó bela Araguaia! Ele admirava os hippies que falavam em paz , mas lhes era superior, pois não usava fitinha de índio na testa, essas frescuras, e nem mochila nas costas, por aí afora, porque cada ser humano tem um pensamento bem diferente ...
E ela, já completamente fascinada , obedeceu-lhe , e mandou que Maria se afastasse com os dois garotinhos , por causa do calor . E Maria ,também paquerada , se afastou . E eles se afastaram , e foram indo para locais ermos . Locais estes onde nem sequer um viajor haja pisado . Esta terra lhe era bem conhecida . Tristes trópicos ! E ele , então , largou-lhe um beijo na boca , de improviso , e ela se assustou levemente , porque ele era muito impulsivo . E continuaram se afastando , e ele viu que aqui esta bom . E mal deu tempo deles se acomodarem , e já investia sobre ela . E ela se abandonava . E se agarravam , e se beijavam . Beijavam-se e se agarravam . E ele queria que ela conhecesse a sua força , e ela queria ser moldada , e chupou-lhe todo , disse-me . Ó! E fez uma pausa , porque era mau . Puxou do bolso um estranho cigarro , vindo de Bragança ou do Maranhão, ela estranhou, e ele disse : “ Isso é cigarro americano minha filha veio lá da Zona Franca” . E começou a tragar e lhe ofereceu , e ela acabou aceitando , pois quem podia resisti-lo ? E recomendou para que ela não soltasse logo a fumaça . Se precisasse mais papel para fazer outro ela arrancaria uma folha da revista “Ele e Ela”, que trouxera, e ele outro faria. Mesmo assim , havia “ O Pasquim ”. E como ela , ainda desconfiada , não acatasse sua recomendação , quando puxou outra vez , ele , para impedir que a fumaça saísse , e deu ênfase para este detalhe , abocanhou sua boca . E disse : “ não solta! ”... “Aahhn?... ” E a fumaça saiu . E se agarravam , e se beijavam numa desagregação psíquica... o pescoço , os ombros , os seios ... E ela , de repente , despida já estava , talvez até tarde , num resquício de filme censurado . E dizia : “ ai , meu filho , você é louco ! ” E o vento assanhava os cabelos deles . E João Macaxeira se libertava de suas frustrações , nem que fosse pela imaginação . E eles rolavam pela areia quente . Era uma brasa , mora! Laço firme , braço forte. E nenhum tira apareceria naquela fantástica toca . Da areia quente, eles escorregavam para a areia molhada . Ninguém os presenciava . E , de repente , acenderam-se os holofotes ! E o diretor pedia mais luz , e eles se aproximavam da água resplandecente . Um bando de gaivotas cortou o azul celestial . E houve um close-up das bocas sugadoras . E uma gaivota mergulhou , e pegou um peixe , e outra imitou-a , e depois outra , mais devagar . E o povo bradava : viva Mao , viva Mao ! E outros : eu quero mocotó , mocotó é um barato ! E o troço já estava maçante . E as ondas se quebravam nos rochedos imersos parcialmente na água . Os sinos badalavam . E já era quase meio-dia . E a terra girava célere no espaço !
(Este conto obteve o troféu de 4° lugar , no XV Concurso Nacional de Contos de Paranavaí (PR) , em novembro /1983 )